Então você me perguntava o que eu achava do seu novo show.
Eu dizia que gostava muito,
mas que isso não valia muito
porque eu gosto de coisas estranhas
e quase tudo que eu gosto quase ninguém mais gosta.
Quando gosta
eu já não gosto mais.
Tinha uma carta na sua mesa de cabeceira escrita à lápis:
“Moustache”.
Moustache à grafite, envelope branco, caligrafia
torta.
Tinham umas linhas vermelhas dentro do envelope
E umas gotas de tinta mostarda.
Eu tentava ler a carta
Porque me gostam as cartas.
E essa carta era endereçada a mim
_ou ao menos eu queria muito que fosse_
Mesmo em sonho eu podia, facilmente, ler todas aquelas
letras.
Alguém sempre me interrompia, mas eu podia ler as letras na
carta
e isso me impressionou.
Ler letras nos sonhos é coisa muito difícil.
Fiz o café
abri o laptop sobre a mesa da cozinha
e, depois de detectar o leve princípio da rinite que vem me aporrinhar,
eu não sei, de verdade, dizer
se a recente fluência em letras nos sonhos é coisa boa ou
má.
Talvez não seja nenhuma das duas e pode ser que isso tenha
sido mesmo causa de comer cinco brownies de chocolate ao leite antes de dormir.
Leite faz mal.
Ana G. Rebelo